ebola

Tem uma epidemia de ebola acontecendo na África, mais especificamente em Serra Leoa.

A doença tem altíssima taxa de mortalidade e é também altamente contagiosa: qualquer contato com as secreções de um infectado precisa ser evitado. Em Kailahun – cidade com mais doentes no país – todas as pessoas estão evitando se tocar, por via das dúvidas.

No posto do MSF na cidade, os médicos não passam mais de dois meses trabalhando, porque a tensão de ser contaminado é muito grande. Durante esse período, também se privam do contato uns com os outros: “Às vezes nos abraçamos dentro da área de alto risco, todos vestidos com a roupa de proteção, só para sentir um contato físico.”

Essa foi a notícia que me fez chorar hoje.

pardon my french

Vira e mexe, eu falo mentalmente a palavra “Membrolle-sur-Choisille”.

Em 99, viajei por alguns países da Europa com os meus pais, em um motorhome. Tivemos perrengues, brigas provocadas pela convivência excessiva — morar, comer, dormir e viajar no mesmo lugar pode não ser uma ideia tão boa assim –, mas prefiro as lembranças boas.

Uma delas é exatamente Membrolle-sur-Choisille, que, conforme me informa a Wikipedia, tem menos de sete quilômetros quadrados e tinha 2.644 habitantes quando estivemos lá. O nome ficou gravado porque assim que chegamos minha mãe fez um trocadilho sujo com o nome, o qual deixo de reproduzir para poupá-los de uma piada infame.

Não lembro se foi lá que a gerente do camping se recusou a falar inglês com a gente e disse (bufando, claro) “você aprendeu francês na escola” pra mim. Não, minha senhora, não aprendemos mais francês na escola. Mas lembro que foi lá que comemos deliciosos crepes em um restaurante com luz fraquinha.

Também não sei se a memória me trai quando associo Membrolle (abrevio, sou íntima) a um britânico engraçado que nos ajudou com a máquina de lavar roupa e, em troca, teve macadâmias torradas oferecidas a ele e seu “husband”, como errou minha mãe. Lembro que ele fez uma cara de interrogação debaixo dos óculos grossos e dos cabelos grisalhos bagunçados.

Mas eu lembro do pôr-do-sol. Membrolle-sur-Choisille poderia ser minha Pasárgada, não fosse um nome tão sem musicalidade.

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Para quem quiser conhecer mais (e aprendeu francês, na escola ou fora dela), o site

O que eu quero

Eu quero ter uma casa com quintal. Ou um apartamento em um prédio com jardim.

Eu quero uma casa com música nas manhãs de sábado e domingo, como tinha na minha infância. De preferência, Tropicália, para combinar com o sol (vou morar num lugar com bastante sol, ainda que não faça calor o tempo todo).

A casa vai ser iluminada, ventilada, com algumas coisas – nem muitas, porque junta poeira, nem poucas, para não parecer uma casa de mostruário. Vai ter fotos, objetos de viagem – eu quero viajar muito -, um sofá confortável e uma cozinha ampla. E uma rede, eu quero uma rede.

Eu quero filhos filhos espertos, inteligente e falantes, mas educados. Não vão gritar à toa, mas quero que tenham a capacidade de se empolgar com as menores descobertas.

Eu quero que eles tenham janelinhas deliciosas, enormes, quando os dentes começarem a cair, e que abram sorrisos pra mostrar pra todo mundo essas janelinhas. E vão cantar bem alto e desafinado “só, só, somente só, assim vou lhe chamar, assim você vai ser” junto comigo e o pai delas, nas manhãs de sábado e domingo.

Eu quero que meus amigos frequentem a casa, e que os amigos do meu marido também, e que os amigos dos meus filhos também, e que os amigos dos amigos de todo mundo também. Eu quero que seja uma casa onde todos se sentem à vontade, inclusive para ajudar a lavar a louça ou para tirar uma soneca no sofá.

Eu quero ter cachorro e gato. Mas um de cada, e só, para sobrar espaço caso apareça um filhote abandonado para a gente cuidar e doar depois. Eu quero dividir as tarefas de casa entre todo mundo, sem brigas, nem discussões. Eu quero ter sempre comida boa em casa, gostosa e saudável. Eu quero poder comer chocolate sem sentir culpa.

Eu quero estar rodeada de gente interessante, diferente, e quero ensinar aos meus filhos a lidar com as diferenças. Eu quero que meus filhos mudem o mundo. Quero que meu trabalho seja fonte de renda, prazer e realização, mas não o centro da minha vida.

Eu quero uma vida leve, que não atrapalhe… minha vida. Isso é o que eu quero.

Vem de balde

Essa semana foi pesada. Ontem foi insuportável, muita tensão, muita expectativa ruim. Hoje a expectativa se desfez, e dentre mortos e feridos salvaram-se todos.

E aí o pedido. Uma semana de bosta só poderia terminar assim: com tudo e todos me lembrando a bosta que eu sou, que eu fui e que eu não quero mais ser.

(e é tão patético eu não ter ninguém por perto – ou longe – com quem eu possa dividir isso)

Slow Living

Uma das belezas de mudar de cidade é poder começar de novo. É poder fingir que você não é aquela psicopata estressada e sim uma menina doce e easy-going, por exemplo. Estava conversando sobre isso com o Marcos outro dia e cheguei à conclusão que isso não funciona muito, pelo menos pra mim. Por mais que eu esteja convivendo com novas pessoas, que nunca tinham ouvido falar de mim, não dá para deixar pra trás algumas características só porque Brasília é mais seca do que São Paulo.

Eu posso dizer, porém, que algumas coisas foram potencializadas na minha personalidade. Fiquei mais paciente com tudo o que me irrita. Fiquei mais ansiosa (que o digam as milhões de espinhas nojentas no meu rosto). Penso mais antes de sair gritando. Passei a me importar mais com trabalho, sucesso profissional (a origem das minhas espinhas?). Talvez tenha até ficado mais competitiva, por mais que eu odeie admitir.

E também fiquei mais slow living. Tem o movimento Slow Food, certo? Mais ou menos por aí.

Uma possível razão: moro com a Johanna, que ama cozinhar – e que leva o ofício a sério, praticando sempre. Isso leva a pães feitos em casa, a jantares com muitos convidados, a convivência familiar constante (dela com a família dela e minha com ela e a família dela, no caso).

Outra possível razão: Brasília não é uma cidade cosmopolita como São Paulo. E isso tem acalmado um pouco minha paulistanice – imediatismo, muitas atividades, tudo-o-que-você-quiser-na-palma-da-sua-mão – adquirida nos últimos oito anos.

Frescurinhas que eu sempre apontei na Maybi, como beber um café legal, comprar um azeite mais caro, hoje topo numa boa. Ao mesmo tempo, minha vontade de consumir por consumir tem diminuído e eu procuro fazer boas escolhas, comprar menos por impulso e valorizar o que eu já tenho. Gastar muito dinheiro em coisas que são importantes para mim, como fazer ballet ou comprar o vestido perfeito, mas abrir mão do moleskine só pelo hype. Ouvir mais música. Assumir a decisão de não comprar um carro, por mais que Brasília insista.

Ser mais amorosa, mais gentil e menos rancorosa. Dizer mais coisas bonitas a quem eu amo.

Não sei como comida feita em casa pode ter relação com tudo isso, mas passa lá no blog da Johanna e da Thalita pra ver se inspira você também: http://www.viagemgastronomica.org/

Síndrome de Rob Fleming

A primeira vez que eu vi o filme “Alta Fidelidade” foi há muito tempo. Aí que eu nem me identifiquei tanto com a história assim, mas virou um dos meus preferidos.

Quando o assisti pela segunda vez, algumas falas já faziam eco na minha cabeça e algumas das descrições dos relacionamentos conturbados de Rob lembravam meus relacionamentos, até então, não-conturbados. E de babaca ele virou um babaca, porém confuso, coitado.

Estou lendo “High Fidelity”, pocket book que eu comprei naquele impulso que todos nós temos na Livraria Cultura (afinal, o livro era uns 15 reais, edição barata da Penguin em inglês, oportunidade única de ler, na língua original, o livro que inspirou o roteiro de um dos meus filmes preferidos!).

Conclusões: o inglês britânico pontiagudo (adjetivo bizarro, mas é isso mesmo) e as descrições ácidas que o protagonista faz mudam bastante o clima da história. E John Cusack, apesar de não ser exatamente um bonitão do cinema, empresta mais carisma do que Rob Fleming (no filme é Rob Gordon) merecia.

Ele não é babaca porque está confuso, porque sofre, porque mulheres são complicadas ou porque a vida dele fracassou. Ele é um babaca, logo ele está confuso, sofre, não entende as mulheres e fracassou – em vários aspectos da vida.

Ele fere querendo ferir. Erra sabendo o porquê. Tem atitudes egoístas não porque é incompreendido ou porque está na defensiva, mas porque… é egoísta. E passa a história toda colocando a culpa nas mulheres, apesar de saber, e deixar isso bem explícito, que a culpa é toda dele.

Ainda assim, por algum motivo, você torce pelo cara. Talvez porque o Rob Fleming que há em nós se identifica. Você quer que o babaca fracassado seja feliz. E, se a Laura dá mais uma chance para o cara, quem poderá nos negar uma oportunidade?

Câncer

A jornalista se acha esclarecida, bem-resolvida e até vivida nesse assunto. Pergunta a uma paciente sobre a influência que a morte de José Alencar teve sobre ela. A outro, se as pessoas já tiveram preconceito contra sua doença. De um terceiro ouve os medos, inseguranças e pequenas felicidades.

A jornalista se sente confortável no hospital, não tem vontade de desmaiar com o cheiro, nem estranha os aparelhos da quimio, não se choca com a falta de cabelo, a magreza, o acinzentado de algumas peles. Porque ela conhece esse mundo, não se intimida com ele e não tem medo, nem preconceito.

Sabe onde uma mora, ouve sobre a fé dos três, ri com suas demonstrações de humor. Sabe onde a doença começou e para onde ela se espalhou. Lembra-se de todos aqueles conhecidos que já adoeceram – e que já se foram – e torce para que não seja o caso deles.

Perguntou seus nomes, idades, cidades onde vivem. E só ao terminar percebe que não sabe suas profissões. Regra básica, que não costuma esquecer, mas naquela situação nem pensou em perguntar.

É aí que a jornalista percebe que – como todos os outros – só enxerga uma doença, um diagnóstico, uma maldição. Só enxerga sobrevida. Não reconhece mais no canceroso a pessoa que trabalha e que tem interesses na vida além daqueles relacionados à doença.

Eu sou como todo mundo.

Mulherzinhas

Outro dia o Simon disse: “deve ser chato ser mulher”.

A mulher é o negro do mundo. E o índio. E o judeu. E o nordestino. E o pobre. E o europeu oriental.

À parte aberrações como Sakinehs e “as boas mulheres da China”, o triste é saber que, mesmo em culturas ditas evoluídas, a mulher ainda sai perdendo. Ser mulher é ter uma certeza: pertencer a esse gênero vai te trazer prejuízos.

Em qualquer lugar do mundo, em maior ou menor escala, ganhamos menos fazendo o mesmo trabalho que um homem. Ainda somos rejeitadas por empregadores para os postos de liderança ou por aqueles que encaram a possibilidade de gravidez como uma doença incapacitante que diminuirá seus lucros.

Lembro de ter respondido ao Simon: “é muito ruim ser impedida de fazer algumas coisas, inclusive corriqueiras, por pertencer ao gênero feminino”.

Lembrei do meu medo semanal de passar, usando roupas de ballet, em frente ao vigia noturno que vê pornografia no computador em um prédio comercial que fica no meu caminho para casa. Das risadas amarelas que eu dou quando uma fonte tenta me cantar. Dos momentos em que eu escolho fingir burrice para não desafiar o macho-alfa cheio de certezas que discute comigo.

Lembrei da jornalista que foi brutalmente violentada no Egito enquanto cobria a revolução anti-Mubarak. E de como eu senti raiva raiva raiva de ouvir pessoas dizendo “ela não deveria ter ido lá”, “o jornal errou em enviar uma mulher loira, bonita e jovem”, “países árabes são assim”.

Não, não devia ser assim. Ela devia poder trabalhar no lugar que ela quisesse, no país que ela quisesse, na revolução que ela quisesse. Se não quisesse trabalhar e virar dona-de-casa, também devia poder, sem que ninguém enchesse seu saco. Se quisesse ser solteirona, devia poder sem que as pessoas achassem estranho ou deprimente, mas charmoso como George Clooney e sua solteirice aos 50 anos.

O mais triste? Quem reclama é classificada de “feminista mal-comida”. Quando exigimos chances iguais, isso quer dizer que temos ódio dos homens ou que queremos ter privilégios por sermos mulheres . Mas não é isso: apenas queremos ser pessoas antes de sermos mulheres.

#gaddafifeelings

O Gaddafi acabou de fazer um discurso sobre a bagunça na Líbia. Foi violento, disse que os manifestantes contra o governo são minoria, crianças drogadas e que suas mães deveriam entregá-los para purificação e desintoxicação. Ele também prometeu morrer como mártir em seu país.

Concomitantemente, eu tive uma pequena discussão por rede social, que nada tinha a ver com o tema. Pessoa 1 disse uma coisa, eu complementei com outra e pessoa 3 atacou o meu trabalho. Não que eu não consiga enxergar falhas no meu trabalho. Mas no caso não achei justo, expliquei, pessoa 3 ignorou solenemente o que eu falei, continuou com a mesma posição, esquecendo argumentos lógicos, inclusive. Para não cansar minha beleza, encerrei com um “discordo de você”.

Pessoa 3 deu “like”.

Sabe? Nessas horas eu não vou ser falsa libertária e dizer “que lindo que a gente tem liberdade de discordar uma da outra, o que não é a pluralidade de opiniões, minha gente?”.

Vai discutir sem nem ouvir o que a outra pessoa vai dizer? Discuta profissionalmente: “escuta, sei que é bonito dizer isso, que eu respeito o que você pensa, independente de concordar ou não, MAS O QUE EU PENSO É MELHOR DO QUE O QUE VOCÊ PENSA E PONTO ACABOU”.

Porque no final é isso. Mesmo que na superfície, por questões de convivência em sociedade e tal, a gente escolha o primeiro caminho, quando entramos em uma discussão abraçados ao nosso ponto de vista estamos mesmo é querendo convocar a massa a arrancar os braços dos dissidentes e fazer que suas mães os entreguem a uma grande fogueira da inquisição. Figurativa, claro.

(é o mesmo quando alguém diz: “você se acha dona da verdade, só o que você pensa está certo!”. Claro, se eu achasse que o que eu penso está errado, não pensava, né? Paremos de fingir que a gente vai mudar de opinião durante a conversa quando sabemos que isso não vai acontecer. E deixemos o papinho pró-liberdade de opinião para aquelas discussões em que há realmente uma chance de reflexão – o que eu imagino que sejam 5% do total)

A teoria da mandioca

Acho que estou preparada para dividir a maior pérola de minha sabedoria: a teoria da mandioca.

Em 2005, em minha segunda viagem a Florianópolis, conheci o sul da ilha, colonizado por açorianos. Visitamos uma casa histórica, que mostrava a “linha de produção” da farinha de mandioca. Foi então que, em um alumbramento (diz aí, desde a Fuvest você quer usar essa palavra, vai), percebi: a mandioca foi fator de seleção natural no Brasil pré-Cabral.

Pensa que você é um índio, antes de 1500, e está de boas no Brasil. Você tá com fome, olha para a Mata Atlântica/Amazônica/Cerrado/mar, com toda a variedade gastronômica que possuem e pensa: vou morder essas folhinhas e ver no que dá.

Para tudo. Por que você vai justamente comer um negócio que bicho nenhum come (ou vocês já ouviram falar de algum animal mandioquívoro?)? Pense que, como índio, sua existência é baseada na natureza, no comportamento de animais, ou seja, esse primeiro índio no mínimo tinha tempo sobrando.

Ok, ele comeu as folhinhas. Ops, folhinhas venenosas, morreu – ou pelo menos amargou umas dores de barriga.

Aí o seu colega viu isso e pensou: entendi, as folhas são erradas, mas e as raízes? Mordisca aquela coisa bizarra, marrom por fora, branca por dentro (eu já pararia antes disso, mas o colega é corajoso) e ops! O mesmo líquido pseudovenenoso está lá.

Um terceiro índio, um quarto, um quinto, todos tentam comer a planta misteriosa de um jeito que ela fique boa. Se o tal do negócio que a mandioca tem mata mesmo (para mim ainda tem cara de lenda urbana), uma mortandade absurda de índios.

Até que um gênio, ou vários gênios, define o processo: rala a mandioca crua. Pressiona a massa ralada com o líquido até sair todo o líquido. Seca a massa por um dia. Esquenta a massa até ela virar uma farinha. Junta essa farinha com uma goma obtida do líquido retirado anteriormente e faz biju, a base da alimentação dos índios.

Daí a História vem me dizer que os caras trocaram tudo por uns espelhinhos. Tem que ver isso aí, gente.